Todo final de semana, chego à mesma conclusão que as sextas-feiras são os meus dias favoritos. Claro que não são apenas os meus dias favoritos, há muita gente que idolatra uma boa sexta; enfim, de fato, não há sábado que dê conta desta preferência. Depois de assumir tão exaltada idolatria, acredito que não preciso começar a narrar esta crônica com o já clássico “era uma sexta-feira”, mas vale avisar: era uma sexta-feira. E o sexto dia da semana, para mim, é dia de futebol e de samba. Após vinte e duas aulas semanais, preciso apenas suportar mais duas curtas aulinhas e jogar-me em alguma quadra ou alguma roda.
Almoço com pressa, como sempre. Um bom banho para tirar toda a tensão da semana e estou pronto para fazer minha mala. Não que vá fugir para algum lugar, mas gosto da sensação de liberdade. Tênis, meia limpa, camisa do verdão, camisa limpa, bermuda, calça jeans, desodorante, uma boa e velha toalha, sabonete, xampu, caneleira, meião e pente. Mala feita!
Roubo uma maçã da geladeira e ganho a calçada de meu prédio. Ando alguns metros e estou no ponto de ônibus; espero pelo demônio amarelo, demônio porque o maldito sempre demora mais do que trinta e cinco minutos para, finalmente, parar em minha frente com suas convidativas portas abertas, e amarelo por simplesmente ser amarelo.
Sempre que subo em um coletivo, sigo um ritual. Jogo a mala para o lado direito do meu corpo para facilitar minha passagem pela catraca, apalpo minhas calças para garantir que minha carteira e meu celular ainda estão nos bolsos nos quais os coloquei, ligo meu mp3 e levo os fones até meus ouvidos. Praticamente um fordismo do comportamento. Tudo tem sua ordem, toda ordem produz alguma coisa e esta rotina sempre leva ao mesmo lugar: os últimos assentos do ônibus. Minhas músicas também são, estranhamente, ordenadas. Sempre samba, é sexta-feira, e sempre começo por Noel e sua melancolia de Vila Isabel, e acabo com Chico Buarque, sua criatividade e poesia. Apesar de você, demônio amarelo, quarenta e cinco minutos depois, eu chego às portas de minha faculdade.
Sem paciência para esperar o elevador, subo correndo os seis andares que me separam de minha mais que almejada pelada. Ainda restam duas horas até o sinal de minha primeira aula. Um aquecimento rápido, finjo alongar minhas pernas e pronto! Carrinhos, ponta-pé para cá, ponta-pé para lá, cabeçadas, broncas, xingamentos, defesas, gols e meu suor escorre, e meu sorriso surge, e meu alívio chega. É sexta-feira!
Talvez a hora mais desagradável seja o vestiário após a peleja. Todos resolvem tomar banho ao mesmo tempo. Desodorantes e perfumes masculinos, sinceramente, não me agradam e empesteiam cada metro cúbico do já tão cúbico vestiário. Ossos do ócio.
Um banho rápido, toalha e pente. O chinelo estapeia o chão até o banco onde deixei minha mala. E então, o declínio: esqueci-me de uma cueca limpa. Podem imaginar o quanto uma cueca seria a salvação daquela sexta-feira? E então, o dilema: vestir a cueca que usei para jogar, mesmo que esteja irreconhecível após duas horas de jogo; ou simplesmente não vestir nada e enfrentar o desconforto pelo resto do dia. Óbvio, tomo por minha a opção mais higiênica e assumo esta liberdade. Afinal, quem precisa de uma cueca? Somos reflexos do século no qual as mulheres queimaram os sutiãs; espero ser o mártir do movimento pelo bicho solto!
Meu andar já não é tão feliz. Minha sexta já não é tão esperada. Quero a porta da minha casa, o corredor, a porta do meu quarto, a porta do meu armário, a terceira gaveta da esquerda e uma cueca, não importa cor ou modelo, apenas uma cueca. E o querer toma conta e já não quero a roda ou a quadra. Entro na sala e decido prestar atenção ao máximo nas duas aulas para que estas cinco horas passem o mais rápido possível.
Sala cheia! Em plena sexta-feira, uma sala cheia! Tenho certeza que todos estão presentes para rir de minha desgraça. De certo já sabem da ausência de minha cueca e querem presenciar meu vexame, meu caminhar desajeitado. Sento na primeira cadeira que encontro, cruzo as pernas e espero. Espero que o tempo passe rápido, que ninguém fale comigo, que não precise levantar para nada, enfim, espero.
O tempo não passa. Todos falam comigo. Minha borracha escapa de minha mão e corre para longe de minha cadeira umas três vezes. E quando o tempo passa, já não sei se quero levantar. Espremido entre tantos, pareço não querer seguir meus próprios passos. E estes passos me levam ao ponto de ônibus. O anjo azul chega com suas portas sorridentes. Acredito que não preciso explicar a cor e o anjo. Ônibus lotado, de certo o pessoal da sala espalhou por São Paulo inteira que estou sem cueca. Todos olham, de lado, quase sorrindo, minha desconfortável postura. Sacolejos, com o perdão da expressão, torturam-me. Já não obedeço a rituais, levar os fones aos ouvidos é perda de tempo. Não importa o pandeiro, Noel, Cartola, o bumbo; o que escuto é um estridente cavaquinho que irrita e faz questão de lembrar-me a saudade que estou de uma cueca. O mundo me condena e ninguém tem pena.
Chego ao terminal próximo a minha casa. Mais alguns passos e terceira gaveta da esquerda! Mais alguns passos e cueca! Elevador, porta de casa. O barulho da chave desperta meu pai, quase imóvel no sofá após uma sexta-feira carregada. Ele corre e destranca a porta para que eu possa entrar. Olha em meus olhos e pergunta:
- Como foi a sexta, filhão?
- Péssima, pai. Péssima.
Mal sabe meu velho que nem sempre a liberdade é bem vinda.