sábado, 22 de março de 2008

Tomates e Bigodes

Velhos de Bandeira


Aprendi com Bandeira,
Não devemos dormir em noites de São João.
Arriscamos acordar sem nossos queridos velhos.
O fato que eu, com uma exemplar infância 'concret jungle',
Dificilmente comemorei uma noite de João.
Enfim, não lembro de adormecer em Juninas Festas.

Mas acordei, algum dia, assim como o menino Manuel,
E meus queridos velhos já não estavam lá.
Digo lá porque é lá que sempre os presenciei.

Minha velha Rosa ao fogo
E seu borbulhante molho de tomate.
Incrível! Impregnava não apenas a casa, a rua,
Mas a minha infância.
Sinestésico ou não,
Hoje percebo aqueles tomates,
Aroma de meus domingos.
Mas estes se foram
E os tomates já não exalam.

Meu querido velho.
Nome de filósofo, literário.
Uma janela aberta, um jornal.
De costas ao mundo da Barra-funda
E de vistas postas ao universo da leitura.
Lia aquele velhinho e lia muito.
Um par divertido de óculos
E um bigode mal-humorado.
Era divertido esse mau-humor
Cinismo que só a loção pós-barba explicaria.
Um avó que não acredita em Deus,
Convicto das aspirações de Cuba e do Corinthians.
Coisas de Euclides. Saudade destas coisas.

Sobrou as lembranças. Uma cabeça cheia.
Adormeci e cresci, acordei com essa sensação.
Algum dia serei o velho querido de alguém
E também irei inesperadamente para esse lugar
Assim que esse alguém adormecer,
Esse lugar onde esses velhos foram,
De Bandeira ou de minha infância,
Estão todos adormecidos
com seus molhos, seus jornais,
Minha infância.

Guilherme Assen
Fevereiro de 2008

De velhos que sinto falta. Minha Rosa e meu Euclides. Faziam poesia, eram minha infância. Vê-los em fotos, saudosas imagens, já basta para que lembre de cada momento ao colo e ao lado de cada um. Homenagem que não havia como deixar de lado. Infância, assim os resumo.

sexta-feira, 21 de março de 2008

Algo entre o literário e o pessoal

Divina cobrança

Algo de bom, disse Deus.
E eu sem saber o que dizer.
Algo de bom?
Algo de bom já faço
Respiro,
Sem fazer nada,
O dia inteiro passo.

Mas algo de bom há de se fazer.
Ficar rico, escrever um livro.
Algo de bom, entende?

Rico! Todos querem isso.
Quero o que não querem.
E livro? Quê babaca lê?

Algo de bom, Deus,
Já faço.
Enfim,
Disfarço.


Guilherme Assen
Março de 2008



Acadêmicos já afirmam que a poesia está morrendo. Espalha-se por aí que já existem mais poetas do que leitores de poesia. Piada burra, de fato. Um poeta escreve e lê poesias. Há poetas que apenas leêm. Não há poetas que apenas escrevem. Devaneio, mas para ser poeta basta estar vivo. Não há a necessidade de ter um 'quintana' ou um 'baudelaire' no nome. São comercialidades da publicidade e não da poesia.

Afinal, os poetas escrevem para quem? Perguntar isso é o mesmo que discutir futebol, dificilmente chega-se à conclusão; conversas chatas, alongadas, discussões desagradáveis. A pergunta é: os poetas escrevem para quê? E então já não se sabe a resposta. Mar, bunda e Deus. Três poemas e de certo não escritos para a mesma finalidade. Digo que escrevo e que nem sei se sou poeta. Há quem diga não ser poesia. A prosa me dá preguiça, e assim respondo a razão fútil de meu lirismo.

domingo, 9 de março de 2008

Abundância

O Luxo abunda

Hipócritas em hiper-crises,
Hipo-críticos de cega futilidade,
Personas non-gratas da sociedade,
Marginais de luxo
Fecham-se em seus blindados
Com medo de serem seqüestrados
"Esses marginais? Um absurdo!”.

Na mídia o luxo abunda
Na realidade à pobreza, a bunda.
Sobra ao homem comum,
O trabalho, o ônibus lotado,
O SUS.
"Ah! Meu filho vai ser Doutor!”.
A bunda ao SUS.

Vivem e mostram suas "Caras"!
Esquecem de nossas bundas.
Querem um mundo primeiro,
Não vivem em nosso país terceiro.
O lixo, a corrupção, abunda!
Envergonham-se de nossa posição geográfica
"Quem muito abaixa mostra a bunda!”.

Estranho, o lixo mostra-se por aí
Maquiado de luxo.
"A bunda é a bunda", afirmou Drummond.
Em nosso país, a bunda abunda.


Guilherme Assen
Setembro de 2007

Depois de um longo e tenebroso inverno, a ideofobia volta a me perturbar. Gostaria de escrever apenas sobre a indiferença, mas tantas bundas por aí se demonstram que sinto-me envergonhado de ainda não ter exposto a minha.

Reparem o quanto algumas coisas são superficiais. Sentimentos, política... Enfim, nossa sociedade alimenta-se de 'passageirismos'. Nada aprofunda-se, salvas as crises e a solidão.