Todos sabem que moramos em um país tropical, abençoado por Deus e bonito por natureza. Os trópicos nos deram o clima e os gringos nos nomearam latinos. Criamos então o chorinho, o samba e a bossa-nova; o Brasil marcava o mundo com seu ritmo e sua cultura digna da antropofagia pretendida por alguns modernistas. 1964 e muitos Atos Institucionais depois, enfrentamos uma ditadura militar que nos podaria em cada verso, em cada nota musical. Movimentos surgiram e até 1968 vivemos um clima de revolta de alma estudantil e faces juvenis, que se caracterizaria de esquerda e iria lutar contra aqueles que, com a tesoura na mão, faziam questão de decepar qualquer idéia de liberdade que brotasse em cabeças brasileiras.
Os movimentos de tradição esquerdista tomaram como marca a nossa cultura, era preciso ser patriota para derrubar a ameaça armada. O violão e os versinhos de Vinicius estariam em boas mãos: os jovens cantavam Jobim e assistiam Glauber Rocha, nada mais brasileiro do que ser alheio ao mundo, ser nacional. Era preciso construir uma geração de patriotas disposta a gritar contra a ditadura.
Do mesmo modo que a ferrenha ditadura acabou por criar a força dos movimentos libertários, essa radical esquerda provocaria o que viria a ser verdadeiramente tropical. O rock, as psicodélicas guitarras elétricas de Alegria, Alegria; o pop, o erudito e o brasileiro juntos: nascia a Tropicália.
Quebrando qualquer corrente brasileira já existente e baseando-se no movimento hippie norte-americano, o tropicalismo trouxe o verdadeiro sentimento libertário ao país. O movimento ocorreu entre 1967 e 1968, e trouxe ideais novos sobre sexo, música, comportamento e política. Um ódio movia a avant-guarde de baianos que chocavam as platéias dos festivais da TV Record acostumados a Buarques e Vandrés. "Viva a palhoça-ça-ça!". Gilberto Gil, Caetano Veloso, Tom Zé e outras feras que compunham e inovavam a cada verso, jogaram-se contra tudo o que era convencional e marcaram à guitarras elétricas o novo jeito brasileiro de ser: o escândalo das cores, o ritmo, a poesia, a política de tudo que é contrário à dominação e a favor de tudo que é vinculado à liberdade de expressar o que se bem entende.
Os tropicalistas foram perseguidos e Caetano e Gil presos em dezembro de 1968. A ditadura rompia a vanguarda, mas a vanguarda romperia a ditadura mais tarde e perduraria até os dias de hoje, 40 anos depois, com as músicas, poesias e obras de arte que eternizariam as roupas coloridas e os cabelos encaracolados desses nobres tropicais.
Discurso de Caetano como reação às vaiais do auditório dos festivais de música da TV RECORD.